segunda-feira, 19 de março de 2018

A lamentável terceirização da educação

Na postagem anterior, escrevi a respeito do desafio de traçar, e aplicar, estratégias pedagógicas para o ensino, e aperfeiçoamento, da natação como atividade complementar da Educação Física escolar. Um desafio o qual, ao mesmo tempo prazeroso, considero como uma provação e crescimento profissional. 

Segundo Cunha (1989), o bom professor e sua prática de educação física é a pessoa teoricamente preparada para atuar com atividades que envolvam o esporte, corpo e o movimento. É aquele que deve ser capaz de planejar, conduzir e avaliar atividades que estimulam o movimento motor dos jovens, bem como a melhora de suas capacidades físicas e motoras, visando sempre a sua qualidade de vida.

O objetivo deste texto, no entanto, é tentar alertar aos pais desta geração no sentido do quanto estão terceirizando a educação de seus filhos. Ao mesmo tempo que estão fugindo desta responsabilidade, imprescindível na formação do ser humano como indivíduo de uma sociedade - e de seu caráter como cidadão -, estão criando e entregando para a vida seres cada vez mais sem limites.

A educação, de acordo com Gonçalves (1994), é uma prática sistematizada que busca atuar sobre indivíduos e grupos sociais, com a intenção de possibilitar a formação de sua personalidade e sua participação ativa na sociedade. Portanto, um fenômeno inerente ao homem como um ser social e histórico, cuja existência fundamenta-se na necessidade de formar as gerações mais novas, transmitindo-lhes seus conhecimentos, valores e crenças e abrindo-lhes possibilidades para novas realizações.


Na visão de Kunz (1991), a educação jamais pode ser neutra, já que, ou conduz à domesticação ou à libertação. Há sempre uma influência mútua entre educação e contexto social, o que faz com que na relação educador/educando exista sempre uma dialética de “adaptação e resistência”. Desta forma, a ação educacional configura-se uma determinada relação de poder, enquanto existirem diferenças entre adulto-educador e jovem-educando. Ou seja, enquanto uma interação na qual a educação é entendida como uma reação social ao simples fato de que crianças e jovens estão em fase de desenvolvimento.

Portanto, a essência da educação é fazer com que “os homens sejam capazes de realizar as tarefas sociais e profissionais que lhes couberem, e de pôr-se à altura das possibilidades do desenvolvimento cultural e pessoal que é possível alcançar mediante sua participação”. Tornando assim comprometidos com a humanização e com a transformação da sociedade, independente do âmbito especifico de conhecimento (GONÇALVES, 1994).

Contudo, enquanto pais e responsáveis delegarem, e acharem, que é somente, e exclusivamente papel da escola educar seus filhos, e abrirem mão do diálogo e afeto entregando-lhes tablets, smartfones e videogames de última geração; A educação permanecerá fadada ao fracasso, e indivíduos sem limites continuarão a ser entregues ao mundo.

Referências

CUNHA, Maria Isabel da. O bom professor e sua prática. Campinas, SP: Papirus, 1989.

GONÇALVES, Maria Augusta Salim. SENTIR, PENSAR, AGIR: Corporeidade e educação. 2.ed. São Paulo: Papirus, 1994.

KUNZ, Elenor. Educação Física: ensino e mudanças. Ijuí: Unijuí, 1991.

quinta-feira, 15 de março de 2018

O desafio de traçar - e executar - estratégias pedagógicas para o ensino e aperfeiçoamento da natação

Há pouco mais de um mês assumi o cargo de professor de natação em um dos mais tradicionais colégios do Rio de Janeiro, na Zona Oeste da Cidade Maravilhosa (cujo o adjetivo, há tampos, anda duvidoso). Antes de ser o escolhido para a vaga, os contratantes deixaram bem claro seus objetivos: que eu desenvolvesse um trabalho com as crianças, as quais ficam no horário integral, no sentido de aprimorar a técnica de cada uma delas para, posteriormente, tentar inseri-las em eventos esportivos cujo a natação esteja presente. Um enorme desafio.

São crianças de diferentes idades, estereótipos e, principalmente, níveis de natação. Estão em uma fase a qual prender a atenção delas é tarefa hercúlea; Bem como fazê-las nadar conforme oriento e, evidentemente, sempre no intuito de tentar acertar. Não são fáceis. E para que as aulas corram da melhor maneira, tenho tentado adotar diferentes estratégias pedagógicas - e confesso que, até o momento, meu aproveitamento está sendo de 50%.

Segundo Ferreira (2006, p. 267), estratégia é a arte de aplicar os meios disponíveis ou explorar condições favoráveis com vista a objetivos específicos. E, para tal, reúne os elementos utilizados nas decisões tomadas com relação à organização do ambiente, à aplicação dos métodos de ensino e à organização das tarefas. Mais especificamente, estratégia diz respeito a como ensinar uma habilidade motora (Freudnheim, Gama e Carracedo, 2003).

Neste caso, a habilidade motora, que de acordo com Magill (1984), se define por ação ou tarefa que requer a coordenação do movimento do corpo e/ou dos membros para atingir uma meta, ou seja, nadar cada vez melhor. Contudo, somente nadar não é o bastante. Ao professor de natação, durante o processo de ensino-aprendizagem, cabe estimular a prática eficientemente planejada para se chegar à perfeição, ressalta Schmidt e Wrisberg (2001).

É o que estou tentando fazer durante uma hora, as terças e quintas-feiras, semanalmente. Em cada aula tento uma metodologia de ensino diferente que, conforme definem Gallahue e Donnelly (2008), são conjuntos de decisões tomadas pelo professor para alcançar os objetivos de uma aula. Por ora, estes objetivos estão diretamente ligados ao aprimoramento do nado de crawl e algumas de suas particularidades como: flutuação, respiração lateral e alternância de braçadas; Posição dos braços e das mãos durante todo o movimento de braçada, pernada e coordenação de ambos. Aos poucos, evoluímos.

Referências

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Dicionário Aurélio. 4ª Edição. São Paulo-SP: Nova Fronteira, 2006.

FREUDENHEIM, A. M.; GAMA, R. I. B. ; CARRACEDO, V. A. . Fundamentos para a elaboração de programas de ensino do nadar para crianças. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 2, n.2, p. 61-69, 2003.

GALLAHUE, D. e DONNELLY, F.C. Educação física desenvolvimentista para todas as crianças, adolescentes e adultos. São Paulo: Phorte, 2008. 

MAGILL, R. A. Aprendizagem motora: conceitos e aplicações. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.

SCHMIDT, R; WRISBERG, C. A Aprendizagem e performance motora: uma abordagem da aprendizagem baseada no problema. Porto Alegre. Artamed, 2001.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Disfunção das cordas vocais em nadadores

A Disfunção das Cordas Vocais (DCV) é uma condição pela qual os indivíduos  têm dificuldade em respirar devido a um problema na garganta ou laringe. Quando um indivíduo acometido tenta respirar, as duas bandas cartilaginosas presentes na laringe, denominadas cordas vocais, se fecham e impedem o ar de entrar na traqueia. É mais prevalente em mulheres do que em homens, independente da idade; Em crianças, é mais frequente em atletas de competição (GUARDEM ESTA FRASE!).

As cordas vocais na imagem devem estar abertas para respirar. No entanto, em indivíduos com DCV, elas se paralisam intermitentemente e bloqueiam o fluxo de ar para os pulmões. Esse bloqueio pode ocorrer durante a inalação ou expiração, mas geralmente ocorre durante a inalação. Geralmente, esses espasmos aparecem de repente e se resolvem rapidamente - geralmente em menos de dois minutos.

Um reflexo da laringe hiperativo pode ser o culpado. Este reflexo é usado para proteger a via aérea, fechando as cordas vocais para bloquear a passagem para a via aérea do outro lado. Mas por que esse reflexo ocorre quando não deveria? Não se sabe ao certo. A única coisa que é clara, no entanto, é que existem muitos fatores que podem contribuir para a DCV e que variam de pessoa para pessoa. Exemplos: agentes irritantes no ar, odores fortes, ambiente de piscina, alto nível de poeira, refluxo ácido, infecções respiratórias, esforço físico, estressores emocionais (condições psicológicas, incluindo ansiedade e depressão).

A história

Doutora em Fisioterapeuta na Universidade de Santa Clara (Califórnia/EUA), a Drª Erin Cameron dedicou 15 anos de sua vida à natação (entre treinamentos e competições) e também sofreu de DCV. Nos tempos de atleta, observou muitos de seu colegas desistirem do esporte por conta de problemas respiratórios. Todavia, segundo a mesma, compartilhar sua história e conhecimento é importante para que os nadadores que têm DCV entendam - e saibam - que não estão sozinhos; E que há estratégias para continuar a treinar, competir e aproveitar tudo o que o esporte oferece.

Fora a experiência pessoal, a perspectiva médica de como reconhecer sinais de DCV e dar-lhe o vocabulário adequado para descrever seus sintomas também é providencial. Estas informações podem ajudar aos nadadores a identificar DCV não diagnosticado e, consequentemente, procurar ajuda médica apropriada o quanto antes.

"Sempre foi meu objetivo nadar para a Universidade de Michigan. Quando pisei no Canham Natatorium, em novembro, senti como se estivesse vivendo um sonho. Eu tinha treinadores incríveis e colegas de equipe que nadavam tão rápido quanto jamais tinha visto.

Antes do meu segundo ano de faculdade, nunca experimentei dificuldades respiratórias. Meus sintomas surgiram de repente, sem aviso prévio. Minha garganta se apertaria, senti que não conseguia encher meus pulmões de ar e, toda vez que tentava respirar, produzia um som agudo e aterrador. Num primeiro momento só ocorreu uma vez - talvez duas vezes por semana -, durante as séries mais fortes. No entanto, com o passar do tempo, se tornou mais frequente, ocorrendo durante quase todas as sessões de treinos.

No ano seguinte já estava com inúmeras consultas médicas tentando deduzir o que estava causando meus sintomas. Vários tratamentos, incluindo um inalador de Albuterol (Salbutamol) e uma dose elevada de Corticosteroide, Advair (Propinato de Fluticasona e Salmeterol), foram usados ​​para ajudar a diminuir o que parecia ser Asma induzida por exercício; Mas nada ajudou.

Meus treinos e competições sofreram. Minha saúde mental sofreu. Embora tentando ser otimista, não pude deixar de pensar por que isso está acontecendo? Por que nada ajudou? Por quê, seja o que for,  está tentando sugar a alegria do esporte que tanto amo?

Não só meus sintomas eram assustadores para mim, mas minha condição logo se tornou uma área de preocupação para meus treinadores e colegas de equipe. Ninguém estava seguro de como avançar. Em uma ocasião,  foi mencionada a possibilidade de me tornar assistente voluntária do time para a temporada seguinte: Eu estava esmagada; Arrasada.

Eu estava em meu primeiro ano de Junior, com aspirações de me tornar capitã da equipe no ano seguinte e viver a emoção de competir no meu último ano, no esporte que eu amo tanto. De repente, havia algo a mais. Procurei orientação adicional do meu treinador. Ele me encaminhou para um pneumologista que teve experiência em trabalhar com os nadadores de elite.

Com a ajuda de minha mãe e uma enfermeira, finalmente determinamos a palavra adequada para descrever aquele som agudo que estava fazendo quando tentava respirar: stridor (estridor). Esta era a informação que o pneumologista precisava para mudar de direção, para não acreditar que o diagnóstico era apenas a Asma induzida pelo exercício. Quando realizei um teste de esforço na esteira, com um escopo colocado na minha passagem nasal, pude ver através do monitor de vídeo a resposta para o porquê de não conseguir respirar. Minhas cordas vocais estavam fechadas quando tentava respirar; Aquelas pequenas abas teimosas estavam fazendo exatamente o oposto do que deveriam estar fazendo.

Fiquei emocionada por ter um diagnóstico, mas frustrada por saber que não havia cura. Havia, no entanto, estratégias que poderia usar para diminuir o impacto desses sintomas na minha performance. Estas eu recolhi através de um patologista da linguagem do discurso e um conselheiro atlético da minha universidade. Essas pessoas, bem como minha própria teimosia para continuar treinando e competindo, me permitiram completar minha carreira colegial. Meu último ano de natação nesta época foi, de longe, o mais desafiador, mas ainda sim cumpri minha carreira.

"Amaldiçoei" minhas cordas vocais muitas vezes ao longo da minha carreira como atleta: especialmente durante os últimos 100m dos 400m Medley. Na verdade, às vezes ainda faço até hoje. Mas encontrei maneiras de diminuir meus sintomas e continuar a nadar, além de realizar, regularmente - e até hoje - outros esportes de resistência.

Desde o momento em que fui diagnosticada, pesquisei amplamente a condição de esforço para entender melhor as causas e tratamentos para DCV. Minha esperança é que, ao compartilhar essas informações, os indivíduos acometidos por DCV tenham melhor compreensão de como descrever seus sintomas e quando procurar ajuda médica".

Referência

CAMERON, Erin. WHY CAN’T I BREATHE? VOCAL CORD DYSFUNCTION IN SWIMMERS. 2018. Disponível em: https://swimswam.com/why-cant-i-breathe-vocal-cord-dysfunction-in-swimmers/

MYMEDFARMA. Disfunção das cordas vocais. 2018. Disponível em: https://www.mymedfarma.com/pt/guia-da-saude/12-otorrinolaringologia-estomatologia/2718-disfuncao-das-cordas-vocais

segunda-feira, 5 de março de 2018

O desastre de "The General Slocum" e o direito das mulheres de aprender a nadar

Mulheres aprendiam a nadar somente penduradas
(FOTO: International Swimming Hall of Fame)

O Carnaval se foi e, com ele, o mês de fevereiro. "Extraoficialmente", o ano começa em março, considerado o Mês Internacional da Mulher. Afinal, dia 08/03 é o Dia Internacional delas. Embora, modéstia à parte, o dia delas são todos os dias; Assim como o Dia das Mães. E pegando carona neste gancho, segue uma história - infelizmente trágica, porém breve - que marcou, de certa forma, a libertação e a independência da mulher, em uma época cujo sua figura era extremamente reprimida, e seu direito de aprender a nadar.

Em 1904, na cidade de Nova Iorque (Estados Unidos), o barco a vapor "The General Slocum" (batizado com este nome em homenagem ao general Henry Warner Slocum), que transportava mais de 1.400 passageiros - em excursão -, pegou fogo e naufragou no Rio East. Até os atentados de 11 de setembro de 2001, esta foi a maior tragédia de Nova Iorque. Mais de mil passageiros - principalmente mulheres e crianças - que tentaram escapar do fogo a bordo, saltaram na água e se afogaram.

A catástrofe foi o evento mais impactante na história da natação americana. Imediatamente, políticos e administradores escolares reconheceram a natação como uma arte essencial para a autopreservação e defenderam o ensino/pratica da modalidade em toda instituição de ensino. Entretanto, naquela época, apesar dos conhecidos benefícios de aprender a nadar e da prática de atividade física, o exercício extenuante era visto como prejudicial para a saúde - principalmente das mulheres; Além da questão da preservação da figura feminina e do "machismo".

Anette Kellerman
À medida que os Estados Unidos procuravam resolver esses problemas, as escolas começaram a ensinar as meninas a nadar sem ter que utilizar roupas de banho (maiô), tampouco entrar na água. Contudo, a partir de 1907, com a chegada aos EUA da australiana Annette Kellerman (atriz, escritora e nadadora), mudanças ocorreriam.

Praticante, defensora e incentivadora da Natação, Kellerman Não se conformava com os trajes de banho que as mulheres eram obrigadas a vestir e organizou um protesto, em Revere Beach, perto de Boston. Annette foi presa por "nudez pública" ao usar um traje de banho masculino. No tribunal, se defendeu afirmando:

- As mulheres não têm o direito de se salvar do afogamento quando os homens não estão por perto para protegê-las? Então, como podemos aprender a nadar usando roupas, fora da água e penduradas (foto)? - questionou?

A partir deste momento, Annette Kellerman se tornou um símbolo de esperança e mudança para mulheres, e ajudou a abrir caminho para o direito das mulheres de nadar.

Referência

WIGO, Bruce. Tragedy to Triumph: The Story of the General Slocum Disaster and the Right to Swim for Women. 2018. Disponível em: https://www.swimmingworldmagazine.com/news/sw-and-womens-history-month-presents-the-general-slocum-disaster-the-right-to-swim-for-women/